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PRESENTE DE CASAMENTO

O telefone toca. Maria Cecília corre. Enxuga as mãos vermelhas de beterraba no avental. Atende. É dona Nildinha.
_ Mamãe! Tudo bem?
_ Ciça, tô precisando de você, filha... A Cláudia da comadre Geninha casa amanhã...
_ Sim, mamãe... Tô lembrando...
_ É o presente, Ciça... Ontem tive lá no Magazine dos Presentes. Mas não deu pra escolher. Deixei mais ou menos olhado...
Maria Cecília ri pro espelho na parede. Balança a cabeça. A cara da mamãe, isso! Como assim? Mais ou menos olhado? Concentra-se:
_ Sim, mamãe, e aí?
_ Pois é, eu olhei uma fruteira, gostei muito, sabe? Uma que tem um pezinho, de vidro marronzado...
_ Tem um pezinho, de vidro marronzado... Tá, mãe. Não comprou. Achou cara?
_ Não, nem é o preço, Ciça! Ela é só 45 reais. Tá até bom. Mas fiquei foi sem saber... Tem tanta coisa na loja... Cê pode voltar lá comigo, hoje? Tô querendo uma opinião...
_ Vou sim, mãe... Passo aí, daqui a pouco...
_ Ah, bom, de duas a gente pensa melhor, né? 72 anos, e não sei comprar presente, cê sabe. Casamento é difícil demais. O povo dá tudo repetido...
Loja cheia. Ciça de braço dado com a mãe, entre as prateleiras. Tanta coisa, um mar de utilidades! O reino dos candidatos à vida de casado! Dona Nildinha vai direto pra fruteira marronzada.
_ Aqui, Ciça, foi essa que olhei ontem... Linda, né? Achei um amor esse pezinho...
Nossa, meu Jesus, que fruteira é essa?! De pé comprido. Pesadona. Bordas encaracoladas. Uma beleza sim, pra juntar poeira! E agora?
_ Bonita, mãe! Mas vamos olhar outras coisas? Foi pra isso que eu vim, né? A senhora não tá com pressa, tá? Nem eu!
_ É, vamos ver, coisa demais aqui, gente!
_ Taças, olha que lindas, mamãe!
_ Ah, taça, não, Ciça! Usa só de vez em quando...
_ Xícaras, então! Puxa, tão modernas! Acho que a Cláudia ia adorar!
_ Hum... Xícaras, xícaras... Deixa eu ver... Não, xícaras eu não tinha pensado não...
_ Tá, deixa as xícaras, né? Faqueiro? Superútil, olha só!
_ Faqueiro? Faqueiro é último lugar! Minha nossa senhora, sabe quantos o Ricardo seu irmão ganhou? Oito! Tem base uma coisa desta? Uma pessoa ganhar oito faqueiros?
_ Tem razão, mamãe, todo mundo dá faqueiro... Queijeira! Olha que fofa, essa! Pronto! Achamos, mamãe!
_ Ah, queijeira não é prático, Ciça! Ninguém perde tempo pondo queijo em queijeira. Isto só serve pra entupir geladeira...
Ciça desanima. Tá difícil! Mas vamos lá! Paciência é tudo. Fica de lado, é melhor. Vai acompanhando, fingindo interesse. Dona Nildinha olha panelas, copos, pratos pra sopa, pra bolo, pra feijoada, pra pizza, pra arroz, pra macarrão, talheres, jarros, enfeites, ferro elétrico, panela de pressão, porta-retrato, liquidificador, garrafa pra café, balde, espanador, cesto pra lixo... e
_ Então, decidiu, mamãe?
_ Decidi, vou levar uma fruteira...
_ Fruteira? Que fruteira, mamãe?
_ Ora, que fruteira! Que fruteira, Maria Cecília? Aquela de pezinho, marronzada, que gostei... Tem jeito não, tá a melhorzinha mesmo...
_Ah...

Marina Alves
Publicado no Recanto das Letras em 01/06/2010
Código do texto: T2292519



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